Nada ao mesmo tempo agora: “As horas passam sem propósito. Flanando nas ruas, conversando nos bares, tudo é desprendimento. Oportunidades infinitas podem surgir à sua frente, mas não há escolha… Aos 30 anos, o mundo roda à sua volta, mas ele não se compromete. Aspirante a escritor, tem romance atolado na página 50 e uma vida paralizada na adolescência. Nenhum trabalho prático, nenhum ideal, nenhum objetivo concreto.” (…)
É bem capaz que muitos de vocês conheçam pessoas como este rapaz que Bolívar Torres descreve na matéria que linkamos acima. Este rapaz é Zeca, personagem de Caio Blat no filme Histórias de amor duram apenas 90 minutos. Ele é mais um dos filhos da pós-modernidade que muitas vezes parecem condenados a serem eternamente filhos, como acredita a atriz Maria Ribeiro, que seja o destino de Zeca. No filme, Maria interpreta Julia, a mulher de Zeca, que é o seu oposto, uma professora de Belas Artes realizada, que quer fazer mesrado em Paris.
Psicólogos e antropólogos têm opiniões variadas para explicar o fenômeno dessa geração que não amadurece e uma delas esbarra na noção de que crescemos com acreditando que podemos tudo. A geração de que falamos é aquela que ouviu incontáveis vezes dos pais e adultos próximos que poderiam ser qualquer coisa que quisessem. Tamanha amplitude de opções é mais difícil de suportar do que parece e cria perfis como o de Zeca.
Há frases, ou pensamentos tão felizes pela singularidade e poder com que traduzem a realidade, que uma vez lidos, continuam por muito tempo, e às vezes como uma referência para a vida inteira, martelando a nossa cabeça, lá dentro, silenciosamente.
Do livro de Palmério Dória, HONORÁVEIS BANDIDOS - Um retrato do Brasil na era Sarney, em parceria com Mylton Severiano, encontro essas duas pérolas, logo no início da leitura. Travei. Fechei o livro. Adiei a leitura. Aquilo caiu como um tijolo no dedo grande do pé. Ficou latejando, latejando, latejando...
Quando acabar de digerir essas verdades, porque as verdades, quando percebidas demoram a aquietar-se dentro da gente, eu vou contar algumas coisas da leitura desse livro denúncia. Mas eu sou paciente como Jó. Aprendi a esperar por dias melhores e apliquei a lição a todos os fatos da vida.
Bem, dou aqui, para que vocês também possam refletir e sentir essa tijolada...
“Não existe organização criminosa mais bem-sucedida do que a que conta com apoio estatal.” Misha Glenny, em McMáfia – Crime sem fronteiras.
“Agradecemos a Karl Marx por criar a expressão que escolhemos para o título, “honoráveis bandidos”. Essas figuras que, de tempos em tempos, afrouxam as fibras do chamado tecido social. É de se lhes tirar o chapéu. Conseguem sentar nas cadeiras mais insuspeitas, dignas das pessoas honradas. Emprestam seus nomes a ruas, escolas, edifícios públicos, rodovias, até cidades. São aqueles que, de tanto triunfar na ignomínia, Rui Barbosa inculpa de levar gente honesta a ter vergonha de ser honesta.”